terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A rapariga que sonhava com uma lata de gasolina e uma fósforo

" Não há inocentes. Há apenas diferentes graus de responsabilidade"
                                                                                                     Lisbeth Salander


"Quando Erika admitira a sua infidelidade, Greger fora bater à porta de Mikael. Havia já algum tempo que Mikael temia aquela visita, mas em vez de lhe dar um murro no nariz, Greger propusera que fossem beber um copo. Tinham passado por três bares de Sodermalm até ficarem suficientemente etilizados para terem uma conversa séria, que decorrera num banco de jardim em Mariatorget, quando o sol já nascia. De inicio, Mikael mostrara-se céptico, mas Greger acabara por conseguir convencê-lo de que se ele tentasse destruir o seu casamento com Erika, voltaria a procurá-lo sóbrio e com um taco de baseball, mas se era apenas uma questão de desejo físico e inquietação da alma e incapacidade de contenção, então, por ele, tudo bem.
Posto isto, Mikael e Erika tinham retomado a sua relação com a bênção de Greger e sem tentarem esconder-lhe fosse o que fosse. Tudo o que Erika tinha que fazer sempre que lhe dava vontade - e dava-lhe com alguma regularidade-, era pegar no telefone e dizer ao marido que ia passar a noite com Mikael.
Nunca Greger dissera uma palavra de censura a respeito de Mikael. Pelo contrário, parecia considerar benéfica a relação dele cm a mulher, e o amor que tinha por ela crescera, por saber que nunca poderia dar como adquirida a continuidade da presença dela.
Mikael, em contrapartida, nunca conseguira sentir-se à vontade na presença de Greger: uma dura prova de que até as relações livres tinham o seu preço." 


                                   Stieg Larsson in A rapariga que sonhava com uma lata de gasolina e um fósforo




                    
Quantos de nós não conhecem um caso parecido ou idêntico? ( não no género feminino mas no masculino) Não é nada incomum na nossa sociedade, e até parcialmente aceite, mediante a definição dos respectivos papéis: a esposa, o macho latino e a outra. Admiro ( admito) nestas mulheres, a capacidade amar. Amar pela metade, dividindo as partes, sabendo que nunca serão presenteadas com o todo, porque o seu todo não chega. Assumem os seus papéis para que tudo do lado amado se comporte na naturalidade da aceitação, o estatuto na sociedade - a companheira que põe a mão por baixo quando o menino feito criança necessita de uma mulher/mãe - e a que satisfaz o que por convenção pensa não conseguir. E assim se ficam por metades, figurando as livres relações como forma de amor sem preconceitos - outra forma de preconceitos que deixa transparecer por detrás do nevoeiro da modernidade a pior das doenças desta sociedade: a falta de auto- estima encapuçada de liberdade.